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BuzzStreets: a nova aquisição do Manchester City

A startup portuguesa vai desenvolver a aplicação de mobilidade do campeão inglês, que permitirá não só facilitar a vida aos adeptos nos dias de jogo, como criar uma maior ligação com o clube

O que têm em comum os softwares que gerem a mobilidade das 120 mil pessoas que circulam todos os dias em Canary Wharf, em Londres, dos hospitais da Universidade de Coimbra, de vários aeroportos e centros comerciais e, a partir do próximo ano, dos adeptos do Manchester City? Todos eles foram, ou estão a ser, desenvolvidos por uma startup portuguesa, a BuzzStreets, empresa que se dedica ao mapeamento e navegação no interior de grandes edifícios.

O contrato com o Manchester City foi assinado em maio, após um processo de seleção de cinco meses, no qual estiveram envolvidos 350 candidatos. A BuzzStreets acabou por ser uma das dez empresas selecionadas. Todas elas irão desenvolver tecnologias diferentes que depois serão integradas numa só aplicação. A startup portuguesa ficou responsável por toda a área de navegação e mapeamento, ou seja, da mobilidade dos adeptos. “A ideia do clube é, através da app, proporcionar uma melhor experiência aos seus adeptos”, esclarece João Fernandes, CEO e fundador da BuzzStreets.

Com a tecnologia da empresa portuguesa, os fãs do clube de Pep Guardiola conseguem encontrar todos os serviços de transporte, com rotas e horários, disponíveis nos dias dos jogos, independentemente do local onde se encontrem. Caso prefiram levar o carro, podem, através da app, fazer a marcação de um lugar de garagem no interior do estádio. A aplicação leva-o até esse lugar e, posteriormente, faz a navegação indoor até à porta de entrada correspondente à sua cadeira no recinto.

Além da utilidade para os adeptos, a aplicação terá um potencial enorme para gerar receitas extra para o clube, pois consegue interagir diretamente com as pessoas antes, durante e depois dos jogos. “A meia hora antes do jogo, os 15 minutos do intervalo e os 15 ou 30 minutos após o desafio, podem valer muito dinheiro para um clube como o City”, explica João Fernandes.

Pode, por exemplo, dizer ao adepto qual o bar menos congestionado durante o intervalo e conduzi-lo até ao local. Promover produtos da loja do clube, etc. Pode ainda convidar um adepto a visitar os balneários, a descer ao relvado, ou fazer um upgrade para um camarote. As possibilidades de reação em tempo real são inúmeras. Caso a aplicação resulte no Manchester City, existe uma forte possibilidade que ela venha a ser reproduzida nos outros clubes que pertencem ao dono do campeão inglês, o multimilionário xeque árabe Mansour bin Zayed Al Nahyan, que controla os clubes de futebol New York City (EUA) e Melbourne City (Austrália).

Além de conseguir este acordo com o Manchester City, a BuzzStreets está a fechar um contrato com um dos maiores hospitais de Londres, cujo nome João Fernandes não quer revelar antes de o processo estar concluído, mas admite que “é um dos mais emblemáticos da cidade.

“A navegação indoor é uma tecnologia que todas as cidades terão a funcionar dentro de poucos anos”
João Fernandes
CEO da BuzzStreets

Será um contrato que nos dará uma projeção muito grande”. A BuzzStreets está também a desenvolver a aplicação para o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, que deverá entrar em funcionamento muito em breve.

E qual a aplicabilidade de uma app como esta num hospital? Um estudo recente, feito no Reino Unido, mostrou que o serviço de saúde perde cerca de mil milhões de libras por ano com as pessoas que faltam às consultas. Entre as principais razões que conduzem a essas faltas estão as deslocações – na sua maioria, pessoas mais debilitadas que têm receio de conduzir ou desconhecem os sistemas de transportes –, e a dificuldade em encontrar um determinado serviço ou especialidade dentro do hospital, o que pode criar uma situação de stresse que leva a pessoa a falhar a consulta. E, mais do que a perda de dinheiro, essas faltas vão engrossando as cada vez mais longas listas de espera dos hospitais. Para resolver este problema, a BuzzStreets quer trazer o paciente desde casa até à porta da especialidade onde tem a consulta ou o tratamento. “A nossa aplicação avisa o utilizador no dia anterior ao da consulta. Mostramos os serviços de transporte disponíveis e os respetivos horários. Já dentro do hospital, a app dá as direções à pessoa, tal como um GPS, até ela chegar ao local exato da consulta”, explica João Fernandes.

O interesse por este tipo de serviço tem vindo a crescer e João Fernandes acredita que estes novos contratos irão dar uma maior notoriedade à BuzzStreets, o que poderá fazer de 2019 “o ano em que iremos crescer em força”. Apesar deste sucesso, a sua vida de empreendedor nem sempre lhe correu bem. O caminho para chegar até aqui foi longo e atribulado. Antes da BuzzStreets, João Fernandes já tinha formado outras empresas que acabaram por falhar. “Endividei-me até à quinta casa, mas não parei de tentar”, afirma o gestor. A própria BuzzStreets nasceu com o modelo de negócio errado. A primeira ideia foi a de criar uma solução para melhorar o tráfego em Lisboa. “Nessa altura não existia Waze e o Google Maps ainda estava no princípio. Não havia qualquer informação em tempo real para os condutores. Apercebi-me de que Lisboa tinha, sem contar com acidentes, uma média de 600 ocorrências por dia que afetavam a circulação automóvel, como as obras na via, reparação de sinaléticas, etc.”, lembra.

A ideia de João Fernandes era conseguir agregar toda essa informação e dá-la em tempo real às pessoas que circulavam em Lisboa, de forma a que estas pudessem escolher outro itinerário. Apresentou a ideia aos serviços de mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa, que se mostrou muito interessada. “Na própria câmara tinham dificuldade em centralizar todas estas ocorrências, porque muitas delas eram de departamentos diferentes. A comunicação era feita por papel e não era atualizada em tempo real. A aplicação era também uma mais-valia para eles.” A app chegou a ser lançada em 2014, numa espécie de projeto-piloto. Em poucas semanas, a BuzzStreets conseguiu mais de 7 mil utilizadores.

O projeto parecia ter arrancado em força, mas depressa João Fernandes se apercebeu de que o modelo de negócio não era sustentável. “Todos a queriam utilizar, mas ninguém a queria pagar.” Tentámos junto da Câmara Municipal do Porto e a resposta foi a mesma. Até que fomos contactados pelo Ayuntamiento de Madrid que, tal como os outros, se mostrou muito interessado no projeto. Mas, passados uns meses, a resposta acabou por ser a mesma da de Lisboa e do Porto.

Quando tudo parecia perdido e já quase pronto para pôr mais uma ideia no lixo, eis que, em 2015, surge um contacto de Londres, mais propriamente da empresa que gere a área de Canary Wharf, uma zona da capital inglesa onde se concentram as sedes dos grandes bancos e de muitas das maiores empresas daquele país. É uma verdadeira cidade dentro de Londres, com cerca de 40 hectares, para onde se deslocam todos os dias mais de 120 mil pessoas. A sociedade que gere este espaço, a Canary Wharf Group, quis melhorar todos os serviços naquela zona e procurou empresas para criar tecnologia que permitisse uma melhor gestão do espaço e dos serviços.

Acharam que a tecnologia desenvolvida pela BuzzSttreets se adaptava às suas pretensões e contactaram a empresa portuguesa. “Nem hesitei. Peguei nas malas e fui para Londres com a minha equipa”, lembra.

Para criar uma solução que fosse ao encontro da resolução dos problemas de mobilidade da zona, estiveram durante quatro meses a estudar o local, com vários inquéritos de rua para perceber as verdadeiras dificuldades de quem se move naquele espaço. Afinal, existem em Canary Wharf 37 arranha-céus e cinco grandes centros comerciais.

Fizeram primeiro um projeto-piloto e, em 2017, lançaram a aplicação de navegação indoor que está agora em uso naquele local e que consegue guiar as pessoas desde o momento em que entram em Canary Wharf até ao escritório ou loja que pretendem encontrar, estejam estes numa cave ou no 20º piso de qualquer edifício.

A ALMA DO NEGÓCIO

Os serviços de navegação são, hoje em dia, dos mais comuns entre todas as aplicações que estão disponíveis. No entanto, até agora, a BuzzStreets é das primeiras startups a oferecer navegação dentro de portas, onde não existe GPS para dar indicações.

Como funciona então este serviço? Esta é a matéria sobre a qual João Fernandes não gosta de abrir muito o jogo. “Como o GPS não funciona dentro das estruturas, nós tivemos de desenvolver uma tecnologia indoor, que passa pelo uso de wi-fi, com triangulação dos beacons (bluetooth low energy). Desta forma, sabemos onde a pessoa está e levamo-la onde ela quer ir”, explica.

No entanto, como a BuzzStreets dá informação ao utilizador em vários pisos diferentes, como é que sabe se a pessoa desceu dois ou três andares no elevador? “Esse é o grande segredo do nosso negócio. Já tivemos clientes que vieram ter connosco, porque os nossos concorrentes não conseguem fazer essa transição entre pisos.”

A BuzzStreets apresenta-se como uma empresa pioneira na navegação de interiores, um mercado que, para o gestor, “ainda é uma incógnita”, mas que, no futuro, irá estar presente em todas as cidades. “Temos muitos potenciais clientes que estão a ver como é que isto vai funcionar, para depois avançarem também com soluções deste tipo”, diz.

Para João Fernandes já não há volta a dar: “É uma tecnologia que todas as cidades vão ter a funcionar dentro de poucos anos. A mobilidade das pessoas passará da rua para as grandes estruturas, como centros comerciais, museus, hospitais, entre outros.”

Após várias tentativas falhadas e um enorme endividamento, João Fernandes parece estar no caminho certo com uma tecnologia inovadora. Afinal, como disse Henry Ford, um dos homens mais disruptivos do princípio do século XX, “o falhanço é simplesmente a oportunidade de começar outra vez, de forma mais inteligente”.

Texto Paulo M. Santos
Fotos Paulo Jorge Figueiredo
Revista Exame